quarta-feira, 25 de junho de 2008

"Exército tem que estar é na fronteira"


Ex-diretor do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), a menina dos olhos do Ministério da Justiça, Ricardo Balestreri assumiu o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em março. Em suas mãos, a tarefa de trabalhar com os estados para conter a crise de segurança pública que o país enfrenta. Gaúcho, Balestreri é formado em História e trabalha na área há mais de 20 anos. Defende um modelo de segurança que leve em conta não apenas a eficácia à repressão do crime, mas o planejamento estratégico e o respeito aos direitos humanos. Ligado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi presidente da seção brasileira da Anistia Internacional.


Qual sua avaliação sobre a presença do Exército no Rio de Janeiro?

Segurança pública é uma coisa complexa. Quem tem de fazer é especialista. A tarefa do Exército é importante, mas é outra. É lutar nas áreas de fronteira. Segurança urbana não é o sétimo céu, mas é mais especializado. Esse caso do Rio é bom para a população ver, porque ela sempre pede intervenção do Exército, como se isso fosse uma coisa milagrosa. Mas o Exército vai cometer os mesmos erros que a polícia comete, alguns até maiores. A polícia pelo menos tem alguma experiência em algumas coisas.

Então institucionalmente os resultados no Rio não estão sendo bons?

Eu acho que a função do Exército não é urbana. Precisamos de um processo de desaquartelamento urbano e um reforço nas fronteiras, por onde passam drogas e armas. Ele é importante, respeitável, mas tenho impressão de que falta experiência para a segurança pública urbana. Em um evento público, um soldado ameaçou um jornalista, disse que ia atirar. Por mais erros que a polícia cometa, há muito tempo não vemos no Brasil uma ameaça de um policial contra um jornalista em serviço na hora do pega pra capar.

E o caso dos jornalistas torturados no Rio pelas milícias de policiais?

Polícia não é instituição. Na polícia também tem muita gente que se porta mal, mas tem algumas tecnologias que aprendeu a trabalhar com a segurança urbana, que não é o caso do Exército. Lá no Rio tem um forte aquartelamento das Forças Armadas. Por quê? O Rio não está ameaçado. As fronteiras estão, mas é mais confortável viver no Rio que na selva. Nos meios urbanos precisamos preparar a polícia, dar formação e aproveitar o acúmulo tecnológico que a polícia tem.

Quais o senhor avalia que sejam, hoje, os principais problemas da área no país?

Em primeiro lugar, é um abandono histórico das áreas mais pobres. Isso os colocou à mercê das organizações delinqüenciais. Eu sempre faço uma diferenciação entre organizações delinqüenciais e crime organizado. Os chefes do crime não moram em favelas, mas em mansões. Nas favelas moram as pessoas que estão desprotegidas, e isso as fragiliza em relação às organizações delinqüenciais. São organizações de venda da droga. Traficantes são poderosos, mas eles representam o poder no meio dos pobres. O Pronasci e o PAC são tentativas de retomar o espaço.

E além disso?

Outro problema é que construímos um modelo de polícia que é reativa, que reage aos problemas, e não se antecipa. Vigora no Brasil o que a gente chama de pensamento tático operacional. Conhecemos pouco de pensamento estratégico. Precisamos do pensamento estratégico. Temos que pensar sistemicamente de maneira complexa e a médio e longo prazo. Ela é ostensiva de parte da PM, no campo repressivo, e necessária. Partimos para ela quando todo o resto fracassou. No Brasil a gente parte para a repressão antes de qualquer outra estratégia. Já a Polícia Civil se tornou mais um cartório que uma instituição investigativa. Nos acostumamos, mas esse sistema é absurdo. É um cartório que funciona mal. Temos policiais excelentes, mas o sistema é infeliz. Estamos resgatando o pensamento estratégico e induzindo políticas públicas.

E por que a demora para começar a mudar esse quadro?

Eu diria que é pela pressão do senso comum. As pessoas se sentem ameaçadas com a falta de segurança. Reagem emocionalmente e pressionam o Estado para que também tome atitudes emocionais. Se o Estado começa a matar ilegalmente, ou se os agentes do Estado fazem execuções, a opinião pública aplaude. É uma reação emocional e não se resolve a segurança eliminando o problema. O crime é uma indústria. Temos um quarto da economia mundial em posse do crime organizado. Executar o bandido não reduz o crime; amanhã, terá dez no lugar dele. Se o Estado não se vacina, acaba, mesmo sem querer, tendo postura demagógica para agradar a opinião pública. Ocorre alguma coisa bárbara, o Estado corre atrás disso e faz um monte de bobagens, aumenta a penalização. Mas prender pessoas não resolve. As prisões brasileiras são fábricas de crime.

Está sendo produzido um relatório paralelo na CPI do Sistema Carcerário apontando que as penas do Brasil são muito brandas, e essa é a causa de problemas nos presídios?

Sou de um segmento mais progressista e minoritário. Não sou contra agravamento de pena, mas não é o tamanho da pena que faz a diferença, é a certeza da punição. Essa é uma discussão séria para casos de criminosos perigosos. Mas para a grande maioria das pessoas que delinqüiram o efeito é contrário. A grande maioria das pessoas que estão presas não é perigosa. Dentro da prisão elas só estão se estragando, vão sair piores. De maneira geral, não sobrevivem no presídio sozinhos, têm de se abrigar em algum lugar, nas facções, e saem grandes criminosos. Para a grande maioria, as penas alternativas são a solução.
O que a secretaria está fazendo de prático para mudar o comportamento da polícia brasileira?

Por um lado é mudar o pensamento da população e por outro lado é educar a polícia. O ministério tem políticas inéditas de educação da polícia. E educação demora. Temos financiamento de uma rede de 66 universidades com 82 cursos de pós-graduação em segurança pública. Estamos criando uma nova área do saber, já que a segurança pública, em geral, se valia de saberes emprestados. São 5.250 especializandos que recebem toda a formação acadêmica transversalizados em direitos humanos. Não aceitamos proposta curricular que não traga questão de gênero, combate à homofobia, igualdade racial e direitos de crianças e adolescentes.

A quem o curso é direcionado?

São policiais de diversos níveis. Todos têm formação acadêmica prévia e vão desempenhar um papel de multiplicação de cultura. Em mais três ou quatro anos, teremos formado uma massa crítica inteligente que mudará o rumo da polícia. Estão fundamentados em uma cultura de respeito aos direitos individuais. Temos ações para valorizar o policial.

Com todas essas políticas, por que a gente ainda ouve tantos relatos de corrupção dentro das corporações?

Isso é um problema antigo. Nosso país construiu sua polícia sob o signo do capitão-do-mato. Teoricamente, a polícia começou perseguindo escravos. A polícia não pertence à Nação, mas ao Estado. Estamos tentando resgatar isso, em um conceito amplamente democrático, que é a polícia gestionada pelo Estado. A polícia é do povo. Somos os gerentes. Ela foi ideologicamente mal construída como segmento de proteção das elites, para proteger os ricos e conter os pobres. Precisamos criar um novo conceito de uma polícia para todos. E essa polícia tem sido muito maltratada. Sempre ganhou mal, tem formação deficitária. Tradicionalmente, o Estado brasileiro investiu muito em viaturas, pouco em gente. Cerca de 30% do orçamento anual da segurança era para viaturas e apenas 3,5% para pessoal. Não é a viatura que vai fazer a segurança. Que a gente continue investindo em equipamento de uma forma mais racional, mas que se invista também nos policiais. Não só do ponto de vista do salário, mas também de formação moral.

Como responder ao argumento de que a corrupção é motivada pelos baixos salários?

Ganhar mal agrava a corrupção, mas não é o principal. Se pobreza gerasse corrupção e violência, todos os pobres seriam corruptos e violentos, mas a maioria deles é heroicamente batalhadora. Policial tem de saber entender os mecanismos sociológicos também. Se o sujeito não pensa, se transforma no cão de guarda do Estado, e não em ser humano. Não queremos uma polícia adestrada pelo Estado, mas educada, que dá exemplo moral. Isso leva alguns anos. Mas se comparar hoje com dez anos atrás, mudou muito. Ainda é extremamente crítico.

Fonte: Hoje em Dia



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