domingo, 24 de agosto de 2008

Corrupção desvia 25% do orçamento da saúde pública

De Norte a Sul do país, a corrupção, o desperdício e a má gestão desviam do dinheiro público investido na saúde a cifra milionária de R$ 426,4 milhões. O valor equivale a 25,1% do R$ 1,69 bilhão, repassado pelo Ministério da Saúde, nos últimos cinco anos, a 1.341 municípios, dos 5.562 existentes no Brasil. Os dados são oficiais. Estão nos relatórios de fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU). O Estado de Minas fez minucioso e inédito levantamento nesses números, montou um banco de dados que possibilita uma radiografia detalhada do ataque ao erário e percorreu as cinco regiões do país para comprovar as irregularidades.

As informações jogam por terra a idéia de que falta investimento público na área da saúde. Em temporada de discussão sobre fontes de financiamento, se CPMF ou CSS, os números comprovam que o problema está nas administrações municipais, que não se constrangem em investir recursos do Programa de Atenção Básica na promoção de festas, confecção de abadás para carnaval temporão, compra de eletrodomésticos, ou, simplesmente, roubar o dinheiro por meio de inúmeras licitações fraudulentas.

A União, gestora dos recursos, também tem sua parcela de responsabilidade no desperdício, que penaliza especialmente as comunidades mais carentes, em estados pobres ou ricos, desenvolvidos ou não. Na gastança da cifra bilionária, ela lava as mãos com a ausência de fiscalização e a falta de controle na liberação das verbas. Uma simples análise nos convênios entre a Fundação Nacional de Saúde para saneamento público revela um esquema de corrupção que começa com a aprovação de obras sem projetos, alteração da proposta sem análise da documentação, uso de contas sem fiscalização nos municípios. Isso reforça a idéia de que as calorosas discussões pelo Congresso das fontes de financiamentos da saúde passam longe do verdadeiro problema, estampado em documento público produzido pelo próprio governo federal.

Os exemplos estão por todo o país e serão mostrados pelo Estado de Minas ao longo desta semana. Para se ter uma idéia, em Acopiara, perdida no sertão do Ceará, foram investidos mais de R$ 10 milhões, em apenas dois anos, em obras de abastecimento de água e construção de banheiros. Ainda assim, Francisco Alves, de 65 anos, precisa percorrer diariamente um quilômetro, sob sol, para buscar água para sobreviver. Na comunidade de Serraria dos Garcias deveria existir água encanada. No lugar disso, só o esqueleto do projeto, abandonado há dois anos. O drama não é menor em Careiro da Várzea, no Amazonas, onde a população precisa viajar uma hora e meia de barco para conseguir atendimento médico, em Manaus. Isso vale para um simples procedimento como um parto ou para conseguir um soro antiofídico para picada de cobra. O município não tem hospital, apesar dos 20 mil habitantes. Os médicos do Programa Saúde da Família (PSF) só trabalham na parte da manhã.

Drama

Não é preciso se afastar tanto. Na região mais rica do país, o Sudeste, o drama persiste. Na pequena Jordânia, no Vale do Jequitinhonha, em Minas, recursos da ordem de R$ 1.233.018 não aliviaram o sofrimento da população. Em Paracambi, na Baixada Fluminense, equipamentos adquiridos com o dinheiro público estão encaixotados há pelo menos três anos e impedem o funcionamento de um hospital. O recurso da saúde tem destino certo determinado por lei, mas, na prática, simples disputas políticas não permitem que a população seja beneficiada, como ocorre na cidade. O verde das vastas plantações do rico Norte do Paraná não é capaz de esconder a má aplicação do dinheiro público. No município 1º de Maio, a bóia-fria Maria Helena Soares, de 75 anos, hipertensa, tem de andar 15 minutos a pé para conseguir medir a pressão, procedimento que deve ser uma rotina semanal. Mesmo recebendo verba para manter equipe do PSF, que conta com três carros, as visitas domiciliares estão suspensas no conjunto popular.

Distante apenas 100 quilômetros do centro do poder, os moradores de Abadiânia, em Goiás, convivem com o risco que representa o lixo espalhado pela cidade. O Ministério da Saúde repassou meio milhão para construção de um aterro sanitário, erguido parcialmente e sem normas técnicas, que enterraram a esperança de dias melhores. Equipes do Estado de Minas seguiram o caminho do dinheiro liberado para a saúde, sem encontrar qualquer dificuldade em comprovar o que já estava demonstrado nos relatórios da CGU. Foram vários relatos de brasileiros cansados de esperar que promessas sejam cumpridas, ou, simplesmente, que a lei seja aplicada corretamente. A partir de hoje, o EM faz uma verdadeira radiografia da saúde pública do país, demonstrando que o desperdício, a falta de informação e as diversas omissões das autoridades federais transformam o artigo 5º da Constituição – a saúde é um direito de todos e obrigação do Estado – em letra morta.



domingo, 6 de julho de 2008

O comércio das emendas no país da corrupção, o Brasil


Ministério Público Federal , em inquérito que apura o desvio em obras do PAC e obtido com exclusividade pelO Em, afirma que deputados cobram até 20% para liberação de verbas.

R$ 2 Bilhões é o valor que
integrantes do esquema pretendiam abocanhar


As investigações da Operação João-de-barro – desencadeada pela Polícia Federal, em 20 de junho, para estancar um desvio de R$ 700 milhões do Orçamento, incluindo verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – comprovaram a existência de um comércio de emendas parlamentares no Congresso Nacional em troca de propina entre 10% e 20% do dinheiro liberado. De acordo com o processo em tramitação na 2ª Vara da Justiça Federal, em Governador Valadares, cinco deputados formam um dos braços do esquema que pretendia abocanhar outros R$ 2 bilhões do PAC. Em seu parecer, o Ministério Público Federal (MPF) diz que os deputados João Lúcio Magalhães (PMDB), Ademir Camilo Prates (PDT), José Santana de Vasconcelos (PR), Jaime Martins Filho (PR) e José Miguel Martini (PHS), todos de Minas, estão “no ápice da estrutura da organização criminosa” e “comandam o direcionamento de verbas do Orçamento da União para os municípios beneficiados”.

Os cinco parlamentares, segundo o inquérito, têm ligação com o lobista João Carlos de Carvalho, apontado pelos federais como o grande articulador do esquema de desvio de verbas. Para conseguir eficiência, o lobista terceirizou seus serviços e montou uma rede para obter informações privilegiadas, com participação de servidores federais, nos ministérios da Integração Nacional, Cidades, Saúde, e até mesmo na Casa Civil e Tesouro Nacional. O esquema tinha ainda dezenas de construtoras que participavam de licitações fraudulentas. Pelo menos 119 prefeituras participaram das fraudes, sendo que 114 são de Minas. João Carlos e seus colaborados buscavam informação sobre a liberação de recursos públicos, habilitavam as cidades para captar o recurso e elaboravam o projeto.

EVENTUAIS No inquérito policial de Governador Valadares também são citados nas conversas os deputados Carlos William (PTC/MG) e Leonardo Monteiro (PT/MG). Na análise do esquema, o Ministério Público Federal diz que para abarcar mais recursos o deputado João Magalhães, mentor das fraudes em 2001, monitorava as emendas dos colegas. “Os muitos diálogos captados entre o deputado federal João Magalhães e sua assessora Mary Lanes, em que o parlamentar dizia ter obtido verbas não por meio só de negociações com o Executivo, mas também com outros parlamentares, revelando comércio de emendas”. Para reforçar, o MPF cita conversa de Magalhães com uma pessoa não identificada, capitada em escutas: “A gente belisca nas outras… Aqui, o negócio do Leonardo é só nós dois. Ninguém sabe não, tá? O negócio do Leonardo (se referindo a Leonardo Monteiro, segundo a PF), os 10% dele é meu e seu. Ninguém sabe disso não...”

Na verdade, para conseguir alcançar toda a organização criminosa, o Ministério Público Federal, além do inquérito em tramitação em Governador Valadares, tem inquéritos na Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, para apurar as condutas dos prefeitos e também junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para investigar a atuação dos parlamentares. Este último tramita em segredo de Justiça devido às quebras de sigilo telefônico, fiscal e de e-mail dos suspeitos de participar do grupo. Durante a Operação João-de-barro, os gabinetes e as casas de João Magalhães e Ademir Camilo sofreram busca e apreensão.

COMPETENTE Algumas das conversas telefônicas entre lobistas e empresários revelam a participação dos parlamentares. Um exemplo é a conversa de André Scarassatti, filho do ex-funcionário do Ministério das Cidades José Alcino Scarassatti, com o lobista João Carlos. Ele diz ter recebido conselhos do deputado Ademir Camilo para “grudar” em Carvalho como forma de conseguir obras públicas e salvar sua construtora, a Construssatti, da falência. Outro citado nas escutas é o deputado Jaime Martins tratando da liberação de verba com Alexandre Isaac Freire, colaborador da fraude e gerente de projetos da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) para Lagoa da Prata e Iguatama. Em relação às obras em Iguatama, o parlamentar elogia a atuação de João Carlos, a qual classifica como “muito competente”. Usando, desta vez, eleitoralmente a liberação de verbas, Martins pede ao servidor para atrasar o andamento de um pedido de Pequi para prejudicar o prefeito do município, seu adversário político.

Depois de analisar emendas e verbas públicas para cada uma das cidades suspeitas de envolvimento no esquema, o MP afirma que em Ibirité houve a atuação do parlamentar José Santana. “O deputado federal José Santana e o servidor da Codevasf Alexandre Isaac foram responsáveis pela articulação da liberação das verbas e apresentaram os empreiteiros aos prefeitos”, afirma o MP, que diz ainda que “as provas colhidas indicam que houve pelo menos duas licitações direcionadas no município para favorecer o grupo de Lucas Prado Kallas, um dos empresários do esquema. Com o grupo esbanjando saúde financeira, o empresário Eduardo Byrro, também beneficiário do desvio, pôs seu avião particular à disposição do deputado Ademir Camilo, que visitou Monte Azul em sua companhia.

Ademir Camilo (PDT) conversando com o lobista João Carlos de Carvalho

AC: O que é que você olhou daquela cidade lá de São Francisco?

JC: São Francisco?

AC: É São Francisco, Três Pontas

JC: Tô olhando um monte de coisas, tá tudo acompanhado, na hora que anunciar vai dar certo … Entendeu? Ponte Azul

AC: FNHIS (Fundo…………)?

JC: Foi prorrogado para daqui a 15 dias, 15 a 20 dias ainda.

João Magalhães conversando com uma pessoa não identificada enquanto aguardava ser atendido ao telefone por Mary Lanes, dizendo que o percentual cobrado de uma emenda apresentada pelo deputado Leonardo Monteiro (PT) seria repartido somente entre os dois:

JM: A gente belisca nas outras… Aqui, o negócio do Leonardo (Monteiro) é só nos dois, ninguém sabe não, tá? O negócio do Leonardo, os 10% dele, é meu e seu, ninguém sabe disso não…

Fonte: Inquérito policial 2006.38.13.006401-6

Reportagem de Maria Clara Prates, Alessandra Mello, Alana Rizzo - Estado de Minas



sábado, 5 de julho de 2008

Biocombustíveis podem ser até piores do que se pensava a princípio

Der Spiegel

Um relatório interno do Banco Mundial que vazou para o "Guardian" sustenta que os biocombustíveis talvez sejam responsáveis por até 75% da alta nos preços dos alimentos. Nem os grupos ambientais foram tão longe em suas estimativas.

Os preços de alimentos são um assunto prioritário na agenda para a reunião de cúpula da semana que vem do G-8 no Japão, e o presidente do Banco Mundial Robert Zoellick foi claro que é preciso tomar medidas. "O que estamos testemunhando não é um desastre natural -um tsunami silencioso ou uma tempestade perfeita", escreveu em uma carta na terça-feira (1) aos principais líderes ocidentais. "É uma catástrofe feita pelo homem e, como tal, deve ser consertada pelas pessoas."

De acordo com um relatório confidencial do Banco Mundial obtido pelo "Guardian" na quinta-feira, a organização de Zoellick talvez tenha uma idéia bem clara de como deveria ser a solução: parar de produzir biocombustíveis.

O relatório alega que os biocombustíveis elevaram os preços dos alimentos mundiais em 75%, sendo responsáveis por mais da metade do salto de 140% nos preços desde 2002 dos alimentos examinados pelo estudo. O artigo do "Guardian" alega que o relatório, concluído em abril, não foi divulgado para não embaraçar o presidente americano George W. Bush.

Uma análise americana recentemente chegou à conclusão que apenas 3% do aumento dos preços dos alimentos poderiam ser atribuídos aos biocombustíveis.

O Banco Mundial na sexta-feira procurou limitar o impacto do vazamento do relatório. Um porta-voz da organização, que pediu para não ser identificado, disse ao Spiegel Online que o documento obtido pelo "Guardian" foi apenas um de vários relatórios internos sobre biocombustíveis não destinados à publicação. Ele salientou que o Banco Mundial há muito concordou que os biocombustíveis são um fator que pressiona os preços dos alimentos, mas que prefere não quantificar esse impacto.

"Os biocombustíveis sem dúvida contribuem significativamente", disse Zoellick nesta primavera, estabelecendo a linha do Banco Mundial sobre biocombustíveis. "Claramente, os programas na Europa e nos EUA que aumentaram a produção de biocombustíveis contribuíram para a maior demanda por alimentos."

Um "crime contra a humanidade"
Ainda assim, em um ambiente de crítica crescente aos biocombustíveis e cada vez mais preocupação com o impacto do salto nos preços de alimentos, o relatório é uma bomba. Ele estima que os aumentos nos custos de energia e de fertilizantes foram responsáveis por apenas 15% do aumento nos preços de alimentos. Nem mesmo o grupo ambiental Oxfam chegou tão longe quanto o relatório do Banco Mundial. Em um estudo divulgado no final de junho, chamado "Outra verdade inconveniente", a Oxfam disse que os biocombustíveis levaram mais de 30 milhões de pessoas à pobreza - mas que haviam contribuído com apenas 30% no aumento de preços globais de alimentos.

"Os líderes políticos parecem ter a intenção de suprimir e ignorar fortes evidências que os biocombustíveis são um importante fator nos recentes aumentos de preços de alimentos", disse o assessor de política da Oxfam, Robert Bailey, ao "Guardian", na sexta-feira.

A demanda por biocombustíveis aumentou significativamente nos últimos anos, na medida em que os países industrializados procuraram cortar as emissões de CO2 utilizando fontes de energia renováveis. Em abril, Londres introduziu novos regulamentos exigindo que 2,5% do combustível vendido nas bombas no Reino Unido fosse composto de biocombustível e que essa mistura aumentasse para 5% em 2010. A União Européia estabeleceu para si mesma a meta de acrescentar 10% de biocombustível aos combustíveis até 2020 em todo o continente. O presidente dos EUA, George W. Bush, também se apegou ao etanol como forma de reduzir a dependência dos EUA em petróleo estrangeiro.

Em um relatório publicado na terça-feira pelo Banco Mundial, em preparação para a reunião de cúpula da próxima semana do G-8, a organização recomendou que o grupo promovesse "ações nos EUA e na Europa para diminuir subsídios, mandatos e tarifas sobre biocombustíveis que derivam do milho e de sementes".

As críticas ao combustível feito de grãos e capim não giram apenas em torno dos preços de alimentos. Os produtores nos países em desenvolvimento estão derrubando florestas e drenando mangues - ambos valiosos por sua habilidade de absorver CO2 da atmosfera- para abrir espaço para plantações de biocombustível. Assim, muitos duvidam que o produto seja neutro em carbono. E mais, alguns fertilizantes usados na produção de grãos para biocombustíveis liberam óxido nitroso na atmosfera, um gás de efeito estufa que é até 300 vezes mais nocivo do que o CO2.

O relatório do Banco Mundial obtido pelo "Guardian" diz que a produção de biocombustíveis coloca pressão sobre os preços de alimentos tirando os grãos da produção de alimentos, estimulando os agricultores a separarem terras para plantações de biocombustíveis e gerando especulação de grãos nos mercados financeiros.

O problema tornou-se tão ruim que o Representante Especial da ONU pelo Direito ao Alimento, Jean Ziegler, chamou os biocombustíveis de um "crime contra a humanidade" no início desta primavera.

Tradução: Deborah Weinberg



sexta-feira, 4 de julho de 2008

Operação João de Barro: Desvios em MG financiavam candidatos, diz Promotoria

Integrantes da quadrilha investigada na Operação João de Barro, da Polícia Federal, desviavam recursos de prefeituras de Minas Gerais para financiar candidatos a deputado federal e estadual ligados ao esquema, segundo apuração da Procuradoria da República e do Ministério Público Estadual.

O deputado João Magalhães (PMDB-MG) é citado nos documentos, aos quais a Folha teve acesso, como um dos "beneficiários diretos do golpe", que girava ao redor da construtora Ponto Alto. Segundo a Procuradoria, Magalhães é o verdadeiro dono da construtora, mas oculta a titularidade da empresa por meio de laranjas.

Um dos principais elementos usados pelo Ministério Público é o depoimento do engenheiro Silvério Dornellas, que figura como sócio-gerente da construtora. Silvério disse que era laranja do deputado.

De acordo com o Ministério Público, Magalhães e outros deputados federais direcionavam emendas ao Orçamento da União para prefeituras comandadas por membros da quadrilha. Depois, empregando a Ponto Alto e uma rede de empresas fantasmas, o grupo fraudava as licitações e desviava os recursos, alimentando contas de pessoas ligadas ao esquema.

Os investigadores do caso conseguiram rastrear cheques para funcionários das construtoras, agências de automóveis e até mesmo para parentes de prefeitos. Depois, o dinheiro iria para os políticos. Boa parte das transferências ilegais constatadas pelo Ministério Público ocorreu em período eleitoral.

"[Verbas do Orçamento da União] chegaram para várias prefeituras mineiras para a construção de obras de infra-estrutura, as quais seriam direcionadas a empresas do grupo pertencente ao proprietário da construtora Ponto Alto Ltda., com o nítido intuito de beneficiar candidatos a deputados federal e estadual ligados ao mesmo grupo", informa um dos documentos que a Folha acessou.

Relatório da Procuradoria de Justiça especializada em crimes de prefeitos de Minas descreve que pelo menos R$ 1,26 milhão foi destinado ilegalmente à Ponto Alto a partir de licitações fraudadas.

No dia 12 de junho, Magalhães foi notificado pela Procuradoria em processo no qual é acusado de desviar dinheiro de obras municipais em Minas e de ser o dono da Ponto Alto.

Em entrevista à Folha, o deputado negou ter sido beneficiado pelo esquema ou que a construtora pertença a ele. "Esse Silvério está querendo tirar a responsabilidade das costas dele. Ele fez essa afirmação sem prova nenhuma", disse.

Segundo o Ministério Público, foram comprovados desvios de dinheiro em obras e programas financiados pelos ministérios da Integração Nacional, da Saúde, Esportes e das Cidades. Grande parte das verbas provinha de emenda parlamentar.

Numa das fraudes, a da construção de uma ponte sobre um córrego em Santa Rita do Ituêto, todas as empresas participantes da concorrência eram fantasmas, inclusive a vencedora, a Castro Luz Ltda. Segundo a Promotoria, o titular da Castro Luz, além de assinar em nome das outras empresas participantes da licitação, é empregado da Ponto Alto.

A operação da PF investiga também os deputados federais mineiros Ademir Camilo (PDT), Miguel Martini (PHS), José Santana de Vasconcellos (PR) e Jaime Martins (PR).

Reportagem de Leonardo Souza - Folha de São Paulo


quinta-feira, 3 de julho de 2008

Dilma pressionou estatais no caso Varig, diz ex-diretora da Anac


A ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) Denise Abreu afirmou à Folha que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) pressionou estatais como a BR Distribuidora e a Infraero para que agissem de forma a preservar a Varig.

Antes mesmo de a Varig entrar em recuperação judicial, durante o ano de 2004, os principais credores (Infraero, BR Distribuidora e Banco do Brasil) chegaram a discutir com o governo alternativas para o pagamento das dívidas da Varig. "O que se observava era um absoluto desconforto por parte dos três órgãos em aceitar qualquer postergação no pagamento de dívidas. Os administradores temiam, inclusive, a interposição de medidas judiciais de responsabilidade e improbidade contra eles, uma vez que esses órgãos não podiam abrir mão de dívidas", afirma a ex-diretora.

Abreu relaciona a saída do ex-presidente da BR Distribuidora Rodolfo Landim do cargo às pressões sofridas. Atualmente ele é diretor-presidente da OGX, uma das empresas de Eike Batista. "Ele havia sido indicado pela própria ministra Dilma Rousseff para o cargo quando ela ocupava a pasta de Minas e Energia. Exatamente no mesmo período ao qual me refiro sobre pressões da Casa Civil, ele pediu demissão num final de semana. Havia rumores de desgaste de sua atuação junto à ministra por ter negado à Varig um pedido de crédito de R$ 240 milhões", disse.

Landim sustentava a posição de que a BR não deveria dar um prazo de carência para a Varig porque ela não tinha garantias a oferecer. Antes disso, a empresa oferecia recebíveis de compras de passagens com cartão de crédito como lastro para a compra de combustível. Na época, a BR exigia pagamento à vista da Varig. As dívidas da companhia aérea com a distribuidora antes da entrada em recuperação judicial eram estimadas em cerca de R$ 57 milhões em 2006.

A Varig era citada como a única empresa entre os clientes da BR que tinha sua situação avaliada diretamente pelo Conselho de Administração da distribuidora, presidido pela ministra Dilma.

Na época, os credores haviam aprovado um plano de recuperação judicial que previa um período de 45 dias de caixa negativo, e a companhia aérea afirmava precisar de um prazo de carência da BR Distribuidora, da Infraero e das empresas de leasing, entre outros.

A Folha tentou entrar em contato com Landim por meio da assessoria de imprensa da OGX ao longo de dois dias, mas ele não estava disponível para comentar as declarações da ex-diretora da Anac. Procurada pela reportagem, a Casa Civil não respondeu até o fechamento desta edição.

A pressão sobre a BR Distribuidora não parou com a saída de Landim, segundo o relato da ex-diretora. Abreu afirma ter presenciado um telefonema da ministra Dilma para a sucessora de Landim na presidência da BR, Maria das Graças Foster, atualmente diretora da área de Gás da Petrobras.

"Estávamos em reunião na Casa Civil e houve um telefonema para Maria das Graças. Essa reunião ocorreu em maio de 2006. A ministra disse que, se ela não fizesse a liberação de crédito, a empresa ia parar e não ia chegar até o leilão. Disse que teria de ser decretada a falência e que, portanto, Maria das Graças teria de encontrar uma alternativa. O tom era imperativo, de cobrança", disse.

Em nota, a ex-presidente da BR afirmou que a ministra Dilma não ligou para tratar desse assunto. Afirmou ainda que durante sua gestão a BR cobrou à vista pelo combustível. Em 11 de maio de 2006, uma liminar judicial impediu a BR de manter a cobrança, que voltou a ser realizada em 22 de maio de 2006 após uma negociação comercial entre a Varig e a BR, intermediada pelo Judiciário.

Naquele mesmo mês, Foster afirmou que a BR não reajustava o combustível fornecido à Varig desde janeiro. Nos cálculos feitos pelo Snea (Sindicato Nacional de Empresas Aeroviárias), o querosene de aviação havia subido 15,4% em cinco meses. A decisão da Justiça que impediu a cobrança antecipada resultou em perdas da ordem de R$ 13 milhões, segundo declarações de Foster à época.

JANAINA LAGE Folha de São Paulo




sexta-feira, 27 de junho de 2008

14% da Amazônia é "terra de ninguém", diz estudo oficial

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA - Folha de São Paulo


Um levantamento recém-concluído pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) revela que o órgão desconhece uma área da Amazônia Legal que, somada, equivale a duas vezes o território da Alemanha ou às áreas dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná juntas.

O Incra não sabe se esses 710,2 mil quilômetros quadrados estão nas mãos de posseiros ou de grileiros. Nem o que está sendo produzido, plantado ou devastado nessas terras públicas da União. O volume desconhecido, que representa 14% da Amazônia Legal e 65% da parte sob responsabilidade exclusiva do Incra na região, está espalhado pelos Estados do Norte e Mato Grosso. Também na Amazônia Legal, o Maranhão não possui terras nessa situação, segundo o levantamento do órgão obtido pela Folha.

A maior quantidade de terrenos desconhecidos do ponto de vista de situação fundiária está no Pará, com 288,6 mil quilômetros quadrados, área equivalente ao Rio Grande do Sul e que representa 23% da área total do Estado. No Pará, chama a atenção o fato de as "manchas" desconhecidas estarem sobrepostas às rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) e Transamazônica e ao leste do Estado, onde há o forte avanço da pecuária e da mineração.

No ranking, o Pará é seguido por Amazonas (141,8 mil quilômetros quadrados) e Rondônia (89,3 mil quilômetros quadrados). Em relação ao tamanho do Estado, o maior percentual de terrenos desconhecidos está em Rondônia (37%), Roraima (29%) e Amapá (25%).

Para mudar esse quadro e fugir da visão parcial de satélites, o Incra terá de fazer a regularização fundiária, ou seja, promover o georreferenciamento das glebas públicas federais, que é um mapa preciso com as coordenadas da propriedade, fazer a varredura in loco de cada uma delas, regularizar os documentos, afastar os grileiros e dar uma destinação a essas áreas, como transformá-las em reserva ambiental e assentamento ou simplesmente incluí-las no eixo de desenvolvimento da economia local.
Dos 710,2 mil quilômetros quadrados de áreas desconhecidas, o governo pretende concluir o trabalho em pelo menos 200 mil quilômetros quadrados delas até o final deste ano.

"O nosso objetivo é estabelecer um plano para os próximos cinco, seis anos. O momento exige que a gente faça mais e mais rápido", disse o presidente do Incra, Rolf Hackbart. "Mas [esse prazo] não [pode ser cumprido] com o Incra como está hoje. É preciso mais servidores e mais equipamentos, além de parcerias com os militares e com os institutos de terra dos Estados. Não queremos mais grilagem, e sim terra legal na Amazônia Legal."

O documento do Incra será entregue na semana que vem pelo ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) ao colega Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos), em reunião do PAS (Programa Amazônia Sustentável).

A idéia de Cassel, do qual o Incra é subordinado, é apontar a divisão de responsabilidades na Amazônia Legal. Segundo o documento, cabe ao Incra uma extensão não-contínua de 1,1 milhão de quilômetros quadrados da Amazônia Legal , sendo cerca de 35% disso áreas de assentamentos. O restante dos 5 milhões de quilômetros quadrados (59% do território nacional) cabe ao governo do Amazonas, à Funai (Fundação Nacional do Índio), ao Ministério do Meio Ambiente e às Forças Armadas, entre outros.



quarta-feira, 25 de junho de 2008

"Exército tem que estar é na fronteira"


Ex-diretor do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), a menina dos olhos do Ministério da Justiça, Ricardo Balestreri assumiu o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em março. Em suas mãos, a tarefa de trabalhar com os estados para conter a crise de segurança pública que o país enfrenta. Gaúcho, Balestreri é formado em História e trabalha na área há mais de 20 anos. Defende um modelo de segurança que leve em conta não apenas a eficácia à repressão do crime, mas o planejamento estratégico e o respeito aos direitos humanos. Ligado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi presidente da seção brasileira da Anistia Internacional.


Qual sua avaliação sobre a presença do Exército no Rio de Janeiro?

Segurança pública é uma coisa complexa. Quem tem de fazer é especialista. A tarefa do Exército é importante, mas é outra. É lutar nas áreas de fronteira. Segurança urbana não é o sétimo céu, mas é mais especializado. Esse caso do Rio é bom para a população ver, porque ela sempre pede intervenção do Exército, como se isso fosse uma coisa milagrosa. Mas o Exército vai cometer os mesmos erros que a polícia comete, alguns até maiores. A polícia pelo menos tem alguma experiência em algumas coisas.

Então institucionalmente os resultados no Rio não estão sendo bons?

Eu acho que a função do Exército não é urbana. Precisamos de um processo de desaquartelamento urbano e um reforço nas fronteiras, por onde passam drogas e armas. Ele é importante, respeitável, mas tenho impressão de que falta experiência para a segurança pública urbana. Em um evento público, um soldado ameaçou um jornalista, disse que ia atirar. Por mais erros que a polícia cometa, há muito tempo não vemos no Brasil uma ameaça de um policial contra um jornalista em serviço na hora do pega pra capar.

E o caso dos jornalistas torturados no Rio pelas milícias de policiais?

Polícia não é instituição. Na polícia também tem muita gente que se porta mal, mas tem algumas tecnologias que aprendeu a trabalhar com a segurança urbana, que não é o caso do Exército. Lá no Rio tem um forte aquartelamento das Forças Armadas. Por quê? O Rio não está ameaçado. As fronteiras estão, mas é mais confortável viver no Rio que na selva. Nos meios urbanos precisamos preparar a polícia, dar formação e aproveitar o acúmulo tecnológico que a polícia tem.

Quais o senhor avalia que sejam, hoje, os principais problemas da área no país?

Em primeiro lugar, é um abandono histórico das áreas mais pobres. Isso os colocou à mercê das organizações delinqüenciais. Eu sempre faço uma diferenciação entre organizações delinqüenciais e crime organizado. Os chefes do crime não moram em favelas, mas em mansões. Nas favelas moram as pessoas que estão desprotegidas, e isso as fragiliza em relação às organizações delinqüenciais. São organizações de venda da droga. Traficantes são poderosos, mas eles representam o poder no meio dos pobres. O Pronasci e o PAC são tentativas de retomar o espaço.

E além disso?

Outro problema é que construímos um modelo de polícia que é reativa, que reage aos problemas, e não se antecipa. Vigora no Brasil o que a gente chama de pensamento tático operacional. Conhecemos pouco de pensamento estratégico. Precisamos do pensamento estratégico. Temos que pensar sistemicamente de maneira complexa e a médio e longo prazo. Ela é ostensiva de parte da PM, no campo repressivo, e necessária. Partimos para ela quando todo o resto fracassou. No Brasil a gente parte para a repressão antes de qualquer outra estratégia. Já a Polícia Civil se tornou mais um cartório que uma instituição investigativa. Nos acostumamos, mas esse sistema é absurdo. É um cartório que funciona mal. Temos policiais excelentes, mas o sistema é infeliz. Estamos resgatando o pensamento estratégico e induzindo políticas públicas.

E por que a demora para começar a mudar esse quadro?

Eu diria que é pela pressão do senso comum. As pessoas se sentem ameaçadas com a falta de segurança. Reagem emocionalmente e pressionam o Estado para que também tome atitudes emocionais. Se o Estado começa a matar ilegalmente, ou se os agentes do Estado fazem execuções, a opinião pública aplaude. É uma reação emocional e não se resolve a segurança eliminando o problema. O crime é uma indústria. Temos um quarto da economia mundial em posse do crime organizado. Executar o bandido não reduz o crime; amanhã, terá dez no lugar dele. Se o Estado não se vacina, acaba, mesmo sem querer, tendo postura demagógica para agradar a opinião pública. Ocorre alguma coisa bárbara, o Estado corre atrás disso e faz um monte de bobagens, aumenta a penalização. Mas prender pessoas não resolve. As prisões brasileiras são fábricas de crime.

Está sendo produzido um relatório paralelo na CPI do Sistema Carcerário apontando que as penas do Brasil são muito brandas, e essa é a causa de problemas nos presídios?

Sou de um segmento mais progressista e minoritário. Não sou contra agravamento de pena, mas não é o tamanho da pena que faz a diferença, é a certeza da punição. Essa é uma discussão séria para casos de criminosos perigosos. Mas para a grande maioria das pessoas que delinqüiram o efeito é contrário. A grande maioria das pessoas que estão presas não é perigosa. Dentro da prisão elas só estão se estragando, vão sair piores. De maneira geral, não sobrevivem no presídio sozinhos, têm de se abrigar em algum lugar, nas facções, e saem grandes criminosos. Para a grande maioria, as penas alternativas são a solução.
O que a secretaria está fazendo de prático para mudar o comportamento da polícia brasileira?

Por um lado é mudar o pensamento da população e por outro lado é educar a polícia. O ministério tem políticas inéditas de educação da polícia. E educação demora. Temos financiamento de uma rede de 66 universidades com 82 cursos de pós-graduação em segurança pública. Estamos criando uma nova área do saber, já que a segurança pública, em geral, se valia de saberes emprestados. São 5.250 especializandos que recebem toda a formação acadêmica transversalizados em direitos humanos. Não aceitamos proposta curricular que não traga questão de gênero, combate à homofobia, igualdade racial e direitos de crianças e adolescentes.

A quem o curso é direcionado?

São policiais de diversos níveis. Todos têm formação acadêmica prévia e vão desempenhar um papel de multiplicação de cultura. Em mais três ou quatro anos, teremos formado uma massa crítica inteligente que mudará o rumo da polícia. Estão fundamentados em uma cultura de respeito aos direitos individuais. Temos ações para valorizar o policial.

Com todas essas políticas, por que a gente ainda ouve tantos relatos de corrupção dentro das corporações?

Isso é um problema antigo. Nosso país construiu sua polícia sob o signo do capitão-do-mato. Teoricamente, a polícia começou perseguindo escravos. A polícia não pertence à Nação, mas ao Estado. Estamos tentando resgatar isso, em um conceito amplamente democrático, que é a polícia gestionada pelo Estado. A polícia é do povo. Somos os gerentes. Ela foi ideologicamente mal construída como segmento de proteção das elites, para proteger os ricos e conter os pobres. Precisamos criar um novo conceito de uma polícia para todos. E essa polícia tem sido muito maltratada. Sempre ganhou mal, tem formação deficitária. Tradicionalmente, o Estado brasileiro investiu muito em viaturas, pouco em gente. Cerca de 30% do orçamento anual da segurança era para viaturas e apenas 3,5% para pessoal. Não é a viatura que vai fazer a segurança. Que a gente continue investindo em equipamento de uma forma mais racional, mas que se invista também nos policiais. Não só do ponto de vista do salário, mas também de formação moral.

Como responder ao argumento de que a corrupção é motivada pelos baixos salários?

Ganhar mal agrava a corrupção, mas não é o principal. Se pobreza gerasse corrupção e violência, todos os pobres seriam corruptos e violentos, mas a maioria deles é heroicamente batalhadora. Policial tem de saber entender os mecanismos sociológicos também. Se o sujeito não pensa, se transforma no cão de guarda do Estado, e não em ser humano. Não queremos uma polícia adestrada pelo Estado, mas educada, que dá exemplo moral. Isso leva alguns anos. Mas se comparar hoje com dez anos atrás, mudou muito. Ainda é extremamente crítico.

Fonte: Hoje em Dia