As informações jogam por terra a idéia de que falta investimento público na área da saúde. Em temporada de discussão sobre fontes de financiamento, se CPMF ou CSS, os números comprovam que o problema está nas administrações municipais, que não se constrangem em investir recursos do Programa de Atenção Básica na promoção de festas, confecção de abadás para carnaval temporão, compra de eletrodomésticos, ou, simplesmente, roubar o dinheiro por meio de inúmeras licitações fraudulentas.
A União, gestora dos recursos, também tem sua parcela de responsabilidade no desperdício, que penaliza especialmente as comunidades mais carentes, em estados pobres ou ricos, desenvolvidos ou não. Na gastança da cifra bilionária, ela lava as mãos com a ausência de fiscalização e a falta de controle na liberação das verbas. Uma simples análise nos convênios entre a Fundação Nacional de Saúde para saneamento público revela um esquema de corrupção que começa com a aprovação de obras sem projetos, alteração da proposta sem análise da documentação, uso de contas sem fiscalização nos municípios. Isso reforça a idéia de que as calorosas discussões pelo Congresso das fontes de financiamentos da saúde passam longe do verdadeiro problema, estampado em documento público produzido pelo próprio governo federal.
Os exemplos estão por todo o país e serão mostrados pelo Estado de Minas ao longo desta semana. Para se ter uma idéia, em Acopiara, perdida no sertão do Ceará, foram investidos mais de R$ 10 milhões, em apenas dois anos, em obras de abastecimento de água e construção de banheiros. Ainda assim, Francisco Alves, de 65 anos, precisa percorrer diariamente um quilômetro, sob sol, para buscar água para sobreviver. Na comunidade de Serraria dos Garcias deveria existir água encanada. No lugar disso, só o esqueleto do projeto, abandonado há dois anos. O drama não é menor em Careiro da Várzea, no Amazonas, onde a população precisa viajar uma hora e meia de barco para conseguir atendimento médico, em Manaus. Isso vale para um simples procedimento como um parto ou para conseguir um soro antiofídico para picada de cobra. O município não tem hospital, apesar dos 20 mil habitantes. Os médicos do Programa Saúde da Família (PSF) só trabalham na parte da manhã.
Drama
Não é preciso se afastar tanto. Na região mais rica do país, o Sudeste, o drama persiste. Na pequena Jordânia, no Vale do Jequitinhonha, em Minas, recursos da ordem de R$ 1.233.018 não aliviaram o sofrimento da população. Em Paracambi, na Baixada Fluminense, equipamentos adquiridos com o dinheiro público estão encaixotados há pelo menos três anos e impedem o funcionamento de um hospital. O recurso da saúde tem destino certo determinado por lei, mas, na prática, simples disputas políticas não permitem que a população seja beneficiada, como ocorre na cidade. O verde das vastas plantações do rico Norte do Paraná não é capaz de esconder a má aplicação do dinheiro público. No município 1º de Maio, a bóia-fria Maria Helena Soares, de 75 anos, hipertensa, tem de andar 15 minutos a pé para conseguir medir a pressão, procedimento que deve ser uma rotina semanal. Mesmo recebendo verba para manter equipe do PSF, que conta com três carros, as visitas domiciliares estão suspensas no conjunto popular.
Distante apenas 100 quilômetros do centro do poder, os moradores de Abadiânia, em Goiás, convivem com o risco que representa o lixo espalhado pela cidade. O Ministério da Saúde repassou meio milhão para construção de um aterro sanitário, erguido parcialmente e sem normas técnicas, que enterraram a esperança de dias melhores. Equipes do Estado de Minas seguiram o caminho do dinheiro liberado para a saúde, sem encontrar qualquer dificuldade em comprovar o que já estava demonstrado nos relatórios da CGU. Foram vários relatos de brasileiros cansados de esperar que promessas sejam cumpridas, ou, simplesmente, que a lei seja aplicada corretamente. A partir de hoje, o EM faz uma verdadeira radiografia da saúde pública do país, demonstrando que o desperdício, a falta de informação e as diversas omissões das autoridades federais transformam o artigo 5º da Constituição – a saúde é um direito de todos e obrigação do Estado – em letra morta.