domingo, 6 de julho de 2008

O comércio das emendas no país da corrupção, o Brasil


Ministério Público Federal , em inquérito que apura o desvio em obras do PAC e obtido com exclusividade pelO Em, afirma que deputados cobram até 20% para liberação de verbas.

R$ 2 Bilhões é o valor que
integrantes do esquema pretendiam abocanhar


As investigações da Operação João-de-barro – desencadeada pela Polícia Federal, em 20 de junho, para estancar um desvio de R$ 700 milhões do Orçamento, incluindo verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – comprovaram a existência de um comércio de emendas parlamentares no Congresso Nacional em troca de propina entre 10% e 20% do dinheiro liberado. De acordo com o processo em tramitação na 2ª Vara da Justiça Federal, em Governador Valadares, cinco deputados formam um dos braços do esquema que pretendia abocanhar outros R$ 2 bilhões do PAC. Em seu parecer, o Ministério Público Federal (MPF) diz que os deputados João Lúcio Magalhães (PMDB), Ademir Camilo Prates (PDT), José Santana de Vasconcelos (PR), Jaime Martins Filho (PR) e José Miguel Martini (PHS), todos de Minas, estão “no ápice da estrutura da organização criminosa” e “comandam o direcionamento de verbas do Orçamento da União para os municípios beneficiados”.

Os cinco parlamentares, segundo o inquérito, têm ligação com o lobista João Carlos de Carvalho, apontado pelos federais como o grande articulador do esquema de desvio de verbas. Para conseguir eficiência, o lobista terceirizou seus serviços e montou uma rede para obter informações privilegiadas, com participação de servidores federais, nos ministérios da Integração Nacional, Cidades, Saúde, e até mesmo na Casa Civil e Tesouro Nacional. O esquema tinha ainda dezenas de construtoras que participavam de licitações fraudulentas. Pelo menos 119 prefeituras participaram das fraudes, sendo que 114 são de Minas. João Carlos e seus colaborados buscavam informação sobre a liberação de recursos públicos, habilitavam as cidades para captar o recurso e elaboravam o projeto.

EVENTUAIS No inquérito policial de Governador Valadares também são citados nas conversas os deputados Carlos William (PTC/MG) e Leonardo Monteiro (PT/MG). Na análise do esquema, o Ministério Público Federal diz que para abarcar mais recursos o deputado João Magalhães, mentor das fraudes em 2001, monitorava as emendas dos colegas. “Os muitos diálogos captados entre o deputado federal João Magalhães e sua assessora Mary Lanes, em que o parlamentar dizia ter obtido verbas não por meio só de negociações com o Executivo, mas também com outros parlamentares, revelando comércio de emendas”. Para reforçar, o MPF cita conversa de Magalhães com uma pessoa não identificada, capitada em escutas: “A gente belisca nas outras… Aqui, o negócio do Leonardo é só nós dois. Ninguém sabe não, tá? O negócio do Leonardo (se referindo a Leonardo Monteiro, segundo a PF), os 10% dele é meu e seu. Ninguém sabe disso não...”

Na verdade, para conseguir alcançar toda a organização criminosa, o Ministério Público Federal, além do inquérito em tramitação em Governador Valadares, tem inquéritos na Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, para apurar as condutas dos prefeitos e também junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para investigar a atuação dos parlamentares. Este último tramita em segredo de Justiça devido às quebras de sigilo telefônico, fiscal e de e-mail dos suspeitos de participar do grupo. Durante a Operação João-de-barro, os gabinetes e as casas de João Magalhães e Ademir Camilo sofreram busca e apreensão.

COMPETENTE Algumas das conversas telefônicas entre lobistas e empresários revelam a participação dos parlamentares. Um exemplo é a conversa de André Scarassatti, filho do ex-funcionário do Ministério das Cidades José Alcino Scarassatti, com o lobista João Carlos. Ele diz ter recebido conselhos do deputado Ademir Camilo para “grudar” em Carvalho como forma de conseguir obras públicas e salvar sua construtora, a Construssatti, da falência. Outro citado nas escutas é o deputado Jaime Martins tratando da liberação de verba com Alexandre Isaac Freire, colaborador da fraude e gerente de projetos da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) para Lagoa da Prata e Iguatama. Em relação às obras em Iguatama, o parlamentar elogia a atuação de João Carlos, a qual classifica como “muito competente”. Usando, desta vez, eleitoralmente a liberação de verbas, Martins pede ao servidor para atrasar o andamento de um pedido de Pequi para prejudicar o prefeito do município, seu adversário político.

Depois de analisar emendas e verbas públicas para cada uma das cidades suspeitas de envolvimento no esquema, o MP afirma que em Ibirité houve a atuação do parlamentar José Santana. “O deputado federal José Santana e o servidor da Codevasf Alexandre Isaac foram responsáveis pela articulação da liberação das verbas e apresentaram os empreiteiros aos prefeitos”, afirma o MP, que diz ainda que “as provas colhidas indicam que houve pelo menos duas licitações direcionadas no município para favorecer o grupo de Lucas Prado Kallas, um dos empresários do esquema. Com o grupo esbanjando saúde financeira, o empresário Eduardo Byrro, também beneficiário do desvio, pôs seu avião particular à disposição do deputado Ademir Camilo, que visitou Monte Azul em sua companhia.

Ademir Camilo (PDT) conversando com o lobista João Carlos de Carvalho

AC: O que é que você olhou daquela cidade lá de São Francisco?

JC: São Francisco?

AC: É São Francisco, Três Pontas

JC: Tô olhando um monte de coisas, tá tudo acompanhado, na hora que anunciar vai dar certo … Entendeu? Ponte Azul

AC: FNHIS (Fundo…………)?

JC: Foi prorrogado para daqui a 15 dias, 15 a 20 dias ainda.

João Magalhães conversando com uma pessoa não identificada enquanto aguardava ser atendido ao telefone por Mary Lanes, dizendo que o percentual cobrado de uma emenda apresentada pelo deputado Leonardo Monteiro (PT) seria repartido somente entre os dois:

JM: A gente belisca nas outras… Aqui, o negócio do Leonardo (Monteiro) é só nos dois, ninguém sabe não, tá? O negócio do Leonardo, os 10% dele, é meu e seu, ninguém sabe disso não…

Fonte: Inquérito policial 2006.38.13.006401-6

Reportagem de Maria Clara Prates, Alessandra Mello, Alana Rizzo - Estado de Minas



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