domingo, 11 de maio de 2008

Força Sindical é uma Farsa Sindical


Diante esses escândalos que estão envolvendo a Força Sindical, vale aqui lembrar uma reportagem da Revista Veja de 10 de Outubro de 2001 - Edição 1721.

A Justiça suspeita que central sindicalteve conta secreta no exterior irrigadapor empresários

O deputado Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP), celebrizado como "sindicalista de resultados", está começando a colher os resultados de sua carreira sindical. O Supremo Tribunal Federal (STF) quebrou o sigilo bancário do Instituto Brasileiro de Estudos Sindicais (Ibes), entidade criada em 1990 por Medeiros e outros dois sindicalistas. A decisão é fruto de uma investigação iniciada há seis anos, quando um ex-assessor de Medeiros, Wagner Cinchetto, denunciou que o Ibes era dono de uma milionária conta secreta, abastecida por empresários interessados na criação da Força Sindical, uma central que, dócil ao patronato, deveria contrapor-se à ferrabrás CUT. As investigações já confirmaram que empresas brasileiras e multinacionais fizeram polpudas doações ao Ibes. Doações desse tipo são legais, embora sejam mortais para a independência de uma central sindical de trabalhadores. A quebra do sigilo bancário decretada agora pretende descobrir o destino do dinheiro. É aí que a coisa aperta: a suspeita é que parte do dinheiro foi desviada para uma conta no Commercial Bank, em Nova York.

A remessa do dinheiro para fora do país, se confirmada, caracterizará crime de evasão de divisas, cujos autores ficam sujeitos à pena de até seis anos de cadeia. Não é uma suspeita vaga e aérea, tanto que o STF já autorizou um pedido de informações aos Estados Unidos. O ex-assessor Wagner Cinchetto, autor da denúncia que deu origem ao processo judicial, diz que a conta do Ibes recebeu cerca de 4 milhões de dólares dos empresários. No princípio, o dinheiro caía na conta 040045-71, numa agência do Banco Cidade em São Paulo. Mais tarde, Medeiros e sua turma passaram a temer que a CUT, com sua notável ramificação entre os bancários, descobrisse a conta e abortasse o projeto – e, para se prevenir, resolveram abrir uma conta em Nova York, identificada pelo código "Heno". "Quando aparecia uma dificuldade financeira, alguém dizia, brincando com o nome Heno da conta, que ia precisar recorrer ao sal de frutas", diz Cinchetto, ao acrescentar que Medeiros fazia retiradas mensais de 5.000 dólares para despesas pessoais.

Depoimentos colhidos pela Polícia Federal, aos quais VEJA teve acesso, mostram que tudo começou em 1990, quando Medeiros levou ao então presidente Fernando Collor a idéia de criar uma central sindical, azeitada por doações empresariais. Entusiasmado, Collor escalou seu tesoureiro, PC Farias, para tomar conta do negócio. Um dos empresários dispostos a ajudar, Aldo Lorenzetti, dono da fabricante de chuveiros, vinha sendo achacado por PC e refugou a presença do tesoureiro. Collor escalou então um empresário ainda pouco conhecido, Luiz Estevão de Oliveira. Luiz Estevão reuniu empresários graúdos, que passaram a contribuir, em média, com 300.000 dólares, pagos em parcelas de 50.000. As doações eram legais, feitas com contrato e recibo. Entre as empresas, estavam Souza Cruz, Alcoa, Rhodia, White Martins, Brasinca, Cataguases, Iochpe e Ticket – além do Grupo OK, de Luiz Estevão.

Com dinheiro garantido para criar a central, Medeiros precisava batizá-la. A idéia veio em terras distantes. Financiados pela Ticket, Medeiros, Cinchetto e outro sindicalista, Marcos Cará, embarcaram para a Europa, acompanhados das esposas, para o réveillon de 1990. Foram vinte dias de viagem. Em Portugal, visitaram castelos de Sintra, o santuário de Fátima e comemoraram a virada do ano num cassino no Estoril, onde só entraram depois que um alfaiate lhes conseguiu às pressas os necessários trajes de gala. "Ainda saímos com alguns escudos no bolso", conta Cinchetto, que teve sorte na roleta. Na França, o grupo hospedou-se no hotel Mercure, com três limusines brancas à disposição, com motoristas e guia. Os casais não se separavam, mas cada um saía em sua limusine. Os funcionários do hotel confundiram Medeiros, pela aparência, com um xeque árabe. Nos passeios, usavam o telefone do carro para ligar para o Brasil, narrando os locais por onde passavam. "Estou vendo a Torre Eiffel, uma maravilha", dizia Medeiros, que então presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Também utilizavam o telefone para falar entre si, de limusine para limusine.

Em Paris, à entrada da Catedral de Notre-Dame, um brasileiro reconheceu Medeiros, deu-lhe amistosos tapinhas nas costas e comentou: "Vida de sindicalista é boa, hein?". Medeiros não se deu por criticado. "Viram que até aqui eu sou reconhecido?", disse aos amigos. Nos últimos dias em Paris, num passeio pelo Rio Sena, o trio discutia o nome da central. Medeiros não queria siglas, como CUT ou CGT. "O ideal é que seja alguma coisa forte, como Solidariedade", comentava, referindo-se ao poderoso sindicato polonês. Nesse clima, surgiu o nome Força Sindical. Medeiros gostou da sonoridade e combinou voltar ao assunto no regresso a São Paulo. Aproveitariam o resto da viagem, pois não é sempre que a classe operária vai ao paraíso, e sem gastar um níquel. A Ticket bancara a viagem por gratidão. Medeiros conseguira abortar uma idéia de Collor de cortar os incentivos fiscais de empresas que aderissem ao Programa de Alimentação do Trabalhador, ganha-pão da Ticket. Melhor: em vez de cortar os incentivos, Collor ampliou-os. A Ticket derramou-se para Medeiros. Na viagem à Europa, a turma gastou 50.000 dólares em roupas e presentes. "Foi tudo debitado da conta do Ibes em Nova York", diz Cinchetto.

Medeiros confirma as doações de empresários, mas diz que o resto é vingança de Cinchetto. Garante que foi à Europa com seu dinheiro e não se lembra de ter passeado de limusine. "Esse camarada já foi condenado por calúnia", acusa. É certo que Cinchetto é desafeto de Medeiros, mas as investigações da PF até agora confirmam tudo o que o ex-assessor tem denunciado. Hoje, dez anos depois de sua criação, a Força Sindical continua sendo financiada por empresários. As comemorações do Dia do Trabalho são bancadas por bônus vendidos a eles. A última festa, em São Paulo, reuniu 1,5 milhão de pessoas, quinze artistas e teve sorteios de apartamentos e de carros doados por uma montadora. A Força Sindical, com 1.200 sindicatos filiados, que representam 8 milhões de trabalhadores, virou potência. Sob o comando de Paulo Pereira da Silva, sucessor de Medeiros, criou até empresas, inclusive uma gráfica, a SIG, que produz todos os impressos da entidade. Isso é que é resultado.


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